O BESOURO E A LUZ
Duas da manhã. O cachorro do vizinho está latindo. Não consigo dormir. Aliás, nem sono estou sentindo. O que há pra fazer? Liguei a TV mas nada me interessou. Mas é incrível como, mesmo assim, não percebi que já era quase 3 da manhã. O cachorro do vizinho não está nem latindo mais... começo a perceber os grilos cantando. Engraçado que nunca percebo quando eles começam. Na verdade, mal percebo quando o dia escurece. Não presto muita atenção nestas coisas. Mas acho interessante. Pelos meus atos, não devo achar tão interessante assim. Mas não sei o porquê. É tão bonito, quase uma poesia corporificada...
[tuc... zzz... tuc...]
Um besouro começa a voar do lado de fora e bater no vidro da janela da frente da sala. Diferente de mim, esses bichos são atraídos pela luz. Até porque não me vejo me debatendo indiferentemente contra um vidro, sem perceber o quanto é inútil e patético. É como pegar um mapa e fazer uma linha reta entre minha casa e meu trabalho para, em seguida, tentar seguir este trajeto traçado, desconsiderando as casas, prédios, ruas no caminho... provavelmente estaria andando contra a parede da minha garagem por horas. Mas algo me diz que não sou tão diferente desse besouro e resolvi ajudá-lo. Abri a janela e deixei ele entrar. Vendo aquilo, me deu vontade de ver o céu lá fora. Liguei a luz da frente da casa, mas não sem antes desligar a luz da sala. Não deu mais que alguns segundos e o besouro já estava me fazendo companhia.
Olhando pra cima, vejo um céu que nem chega perto da beleza do de um lugar mais afastado da cidade, mas resolvo ficar olhando mesmo assim. Eu pro céu e o besouro para a lâmpada.
Fazia muito isso quando criança... quando eu queria acreditar em estrela cadente. Ou melhor, quando eu queria acreditar que ela pudesse realizar nossos pedidos. “Queria acreditar”, porque acreditar, na maior parte das vezes (apenas por cautela não digo “todas as vezes”), é um desejo de acreditar. “Acreditar é um desejo de acreditar”: Metaforicamente, sempre ouvia uma voz dizendo isso pra mim. Isso me deixava muito melancólico. Às vezes nem reparava que a dor que isso me causa estava lá ainda. É como a respiração: é tão indispensável quanto esquecível.
Olhar agora pro céu foi o suficiente para pensar que nada existe só porque você precisa que exista. Precisamos de coisas que não existem e agimos como se existissem para esconder nossos maiores medos, para calar aquele grito bizarro dentro da gente... mas, enquanto acreditamos, somos levados a “bater pateticamente no vidro como um besouro em direção à luz”.
Entro em casa, desligo todas as luzes. E, mesmo na escuridão, ando sem me esbarrar em nada, deito na cama e fecho os olhos apenas para justificar o fato de não estar mais vendo nada.
Roderictus.