ESPERANÇA: A ÚLTIMA DOS MORTAIS
Triunfante, a Verdade caminhava nua e indiferente a tudo que tinha acabado de ocorrer: A Grande Rebelião.
Porém, resolveu que já era hora de cavar o último túmulo dos mortais.
Chegando, a Verdade disse à Esperança:
- O seu Irmão Gêmeo a traiu. É por isso que está aqui.
- O Medo jamais faria isso. - disse a Esperança, sempre confiante que o melhor é mais provável que o pior, mesmo sem saber o motivo.
- Eu não minto, eu sou a Verdade. Não gaste suas últimas energias com esses pensamentos inúteis. É essa sua postura que te colocou como minha principal adversária, apenas por isso decretei que seria a última a morrer... e este dia chegou. E saiba que ele te traiu quando veio falar comigo. Essa perigosa aproximação o tornou um ser descontrolado, assumindo sua forma mais forte: o Desespero... Assim se deu a Rebelião Epilética que matou todos e que te deixou neste estado deplorável.
Pela primeira vez, a Esperança resolveu encarar a Verdade de frente (não tinha mais seu Irmão Gêmeo para impedir). E ficou surpresa por não ficar cega. E não pôde deixar de rir da ironia de ter passado a vida de olhos fechados justamente pelos conselhos de seu Irmão. Não foi a Coragem que a fez encarar, esta foi a primeira a morrer na Grande Rebelião. Mas resolveu encarar a Verdade Nua simplesmente porque percebeu que por não querer ficar cega que resolveu nunca usar seus olhos. "Por temer ficar cega, preferi agir como tal". Essa ironia que foi o golpe fatal.
Usando suas últimas forças, disse:
"Quando me enterrar, irei certo que a Realidade e a Perfeição irão se revelar serem a mesma coisa". - Foram suas primeiras palavras quando veio ao mundo. E também suas últimas...
E se foi.
"Apenas os imortais restaram. A última que morre, finalmente, morreu." - pensou a Verdade.
Com tudo isso, a Verdade se lembrou da conversa que teve num certo fim de tarde com a falecida Justiça:
- A Realidade e a Perfeição até o momento não confirmaram: Seriam mesmo as duas a mesma coisa? Como a REALIDADE QUE VEMOS pode ser perfeita, com tudo isso que presenciamos... tantas injustiças? - disse a Justiça com sua indignação típica.
A Verdade disse:
- Seu erro é ACHAR QUE ESTÁ VENDO. Se pudesse, notaria facilmente que a Perfeição é Realidade. Mas aqueles que deveriam te proteger, nobre Justiça, passaram a usar também as vendas que cobrem seus duros olhos e, julgando eles que estavam vendo a Realidade, isolaram-na, e foram para a busca eterna da Perfeição.
- Considerando o que diz, quanto mais se afastam da Realidade, mais se afastam da Perfeição. Esta é uma sentença que não cabe recurso.
- Mas sua sentença dura, nobre Justiça, também revela sua Salvação: basta retirar a venda que cobre os olhos. Não importa o quanto caminharam para se afastar da Realidade, assim que os olhos se abrirem, perceberão que ela está em todo lugar, pois ela nunca se afasta. Lembre-se "A Realidade nunca se afasta".
- Então todos poderão ser livres? - a Justiça às vezes se lembra do seu sonho de conhecer a Liberdade.
- A Liberdade, nobre amiga, é uma Árvore que, presa na terra, consegue se desenvolver plenamente porque procurou minha luz e minhas terras férteis. Sim, apenas minhas terras são férteis, apenas meu Céu tem luz. Essa Árvore insiste em ser tudo que sua natureza deseja (crescer, fortalecer, enfeitar o mundo com suas flores, ou manter o mundo com seus frutos). Mas não é capaz de sobreviver caso arranque suas raízes.
Concluiu a Justiça:
- A Árvore que pretende se soltar do solo sonha em vão com uma liberdade: ela seca e morre. A Árvore que cresce, se desenvolve, se fortalece: é a própria Liberdade.
- Que seja sua sentença, nobre Justiça. Será ao lado da Liberdade que cavarei o túmulo da Esperança, a última que enfrentarei.
Roderictus.