conto

Encontros em silêncio

Despediu-se dela. Ela não sabe se ele disse “te amo” ou “tchau” de tão baixo e automático que falou, principalmente por causa de um cigarro (que nem estava aceso) que carregava no canto da boca. Enquanto abria a porta com uma mão, ele tentava, todo atrapalhado, acender o cigarro com a outra. Ela, numa fusão de riso e decepção, pensava que ele perderia menos tempo se tentasse fazer cada coisa de cada vez.
Entrando no carro, liga o rádio e fica um bom tempo ouvindo uma estação mal sintonizada. Ele não se incomodava com isso. Até gostava do chiado. Enfim, resolve ligar o carro e, finalmente, ir para o trabalho.
Encontra o sinal fechado. Logo após, um outro carro encosta ao lado do seu. Parecia ter uma família completa nele. Ele percebe uma criança dentro do carro olhando fixamente pra ele, mas finge que não a vê, sem tirar os olhos do semáforo. A criança se esforça fazendo caretas, risadas, mas foi em vão.
Quando o sinal abre, deixou o carro “morrer”. E sua frustração é notada: apesar de aparentar nenhuma reação, houve um estranho virar de olhos e um rápido suspiro.
Chegando ao trabalho, cumprimentou seus colegas sem disfarçar seu sorriso amarelo e avança à sala de reunião. Não sem antes pegar um copo de café. Mesmo perdido em pensamentos livres e aleatórios, aparentava ouvir seu chefe. Na verdade, não dava a mínima. Considerava-o incapaz. Mas deixava-o exercitar o maxilar porque não queria ser rude.
No seu momento de falar, e já sabia o que falaria há meses, reparou olhos se arregalando: sabia que tinha feito um bom trabalho. Diálogo, para ele, sempre foi uma disputa inconsciente de monólogos. Apenas o silêncio se entende com outro silêncio, tornando num só.
Ao fim de sua jornada, parou seu carro num velho café, tinha 2 andares e era em frente para o mar. Tinha sua mesa favorita, os garçons eram educados e, o que mais agradava, eram surpreendentemente reservados. Ele gostava da parte superior que dava para observar o trânsito e o mar... tomava café sempre sem açúcar: seu paladar não era para disfarces. Por sorte, não havia quase ninguém lá, era seu momento.
Divagou sobre amenidades e sobre coisas relevantes. Algumas coisas o fazia anotar num pequeno bloco. Algumas coisas tiravam um sutil sorriso de canto de boca. Às vezes lia um livro.
Estes eram seus momento de maior solidão. Era seu momento consigo mesmo. Era quando se sentia vivo. Via o mundo pelos seus olhos, era sua realidade. Observava o trânsito e mar. A fumaça do cigarro não atrapalhava a vista. Era assim que gostava. Não falava isso com ninguém... nem havia vontade pra isso.
Já era tarde quando retornou pra casa. Jogou o capote no sofá, colocou as chaves na bancada da cozinha. No quarto, ela disfarçava um sono leve. Indiferente à encenação dela, beijou sua testa.
Ela olha pra ele. Ele já estava olhando pra ela. Abriu as portas que davam para a varanda, observando a cidade do alto, prédios com algumas janelas ainda iluminadas. Havia ainda dois cigarros. Acende um.
Ela surge por trás dele, passando a mão em seu ombro. Ele oferece o último cigarro para ela. Mas ela pega o que já estava aceso, tirando de sua boca. Compartilharam do mesmo cigarro, em silêncio, até se extinguir por completo, restando apenas a luz da noite a iluminar “uma solidão que encontrava outra”. E teve que iluminar por mais algumas horas.
 
Roderictus.